"Cartografia dos corpos em SerEstando Mulheres" - Ana C. Colla y Renato Ferracini

December 12, 2018



"Cartografia dos corpos em SerEstando Mulheres"

 

ANA CRISTINA COLLA(*) e RENATO FERRACINI(**)

Atriz e Ator  Pesquisadores do LUME-Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas

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(*) Ana Cristina Colla é atriz-pesquisadora do LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas desde 1993 e atual coordenadora. Graduada em artes cênicas, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É Professora Plena no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – IA – Unicamp. Apresentou espetáculos, cursos e palestras sobre o trabalho desenvolvido no Lume em diversas cidades do Brasil e do exterior. Possui 2 livros publicados e artigos em periódicos. E-mail: [email protected]

(**) Renato Ferracini é graduado em artes cênicas, mestre e doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); bolsista de produtividade do CNPq é ator-pesquisador do LUME desde 1993 e seu atual coordenador associado. É Docente no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – IA – UNICAMP e possui 4 livros além de inúmeros artigos publicados. Apresentou espetáculos, palestras, debates e cursos sobre suas pesquisas e o trabalho desenvolvido no LUME em muitas cidades do Brasil e em outros 22 diferentes países. E-mail: [email protected]

 

RESUMO: O texto circula por várias texturas e vozes partindo da inquietação inicial: como descrever um processo de criação? Toma-se como plano de fundo para essa reflexão a desmontagem cênica “SerEstando Mulheres” como processo criativo a ser revisitado. Escrever e descrever um processo criativo, ou parte dele, não é somente um desafio, mas uma invenção. E por isso esse texto foi inventado, reinventado, torcido, singularizado, pluralizado, em-corporado. Dentre os corpos que o compõem temos o Corpo da Palavra, o Corpo Desmontagem, o Corpo Mãe, o Corpo Dona Maria, o Corpo Maroquinha, o Corpo Rua, corpos múltiplos e relacionais.

PALAVRAS CHAVE:Processo criativo; Mimesis corpórea; Atuação

 

Pré-Para-Ação

Partimos da pergunta: como descrever um processo de criação? E daí fomos enovelando, destecendo fios, tateando, rodeando, ouvindo a si e a outros, jogando com as palavras, convidando-as para brincar. O texto que segue nasce desse jogo. Circula por várias texturas e vozes, algumas vezes a voz é singular – EU, aquela dita primeira pessoa do singular - quando o texto navega pelos interiores de um processo criativo que somente AQUELE ator ou atriz seria capaz de escrever, descrever, suar em palavras.

Outras vezes é plural – NÓS, aquela dita primeira pessoa do plural - quando a busca do conceito se faz em coletivo, em comparação, em análise. Saltita, portanto, do nós para o eu e para outros eus. Meio esquizoide, meio manco, meio por incapacidade, meio por escolha. E dessa forma subtraímos da nomenclatura da gramática o singular e o plural das ‘pessoas’ e focamos o texto na PRIMEIRA pessoa, como voz primeira, liberta de suas pluralidades e singularidades.

Na partida elegemos um recorte: SerEstando Mulheres[1] enquanto processo criativo a ser revisitado, com a intuição de que ele nos conduziria a uma seresta em palavras, friccionando a pergunta inicial. Mas, aqui, se a voz é singular, os corpos são plurais. Quantos corpos há em um processo criativo. Descrevemos aqui alguns deles fluindo livremente numa constatação quase óbvia: para além do território dual corpo-mente não encontramos um corpo uno ou bloco unitário, mas um corpo formado por singularidades corpóreas infinitas, multiplicidades complexas, partes infinitas externas e internas em relação e atravessamentos afetivos dinâmicos. É justamente essa dinâmica infinita complexa que chamamos, de forma reduzida, CORPO.

E lá fomos nós: primeiro, de mãos dadas, passeamos pelo corpo das palavras e as dificuldades de descrever o que não é possível descrever. Discutimos depois o corpo desmontagem e finalmente apresentamos o Corpo Mãe, Corpo Dona Maria, Corpo Maroquinha, Corpo Rua. E finalizamos voando. Pois em criação o corpo voa. Sempre voa...

 

Corpo Palavras  Palavra Corpo O Corpo das Palavras

Escrever e criar constituem, para mim, uma experiência radical de nascimento. 

A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer é saber-se vivo

 – e, como tal, exposto à morte.

(Pellegrino in Brum 33)

 

Como descrever o que não é possível descrever? 

Por aproximações?

Adapta aqui, corta ali, aperta um pouquinho acolá.

E no final, o que ficou, foi o vivido ou foi uma nova criação?

O ato de descrever nos remete a minúcias, meandros. Algo que se vê, tornando-se possível de ser narrado e, portanto, descrito. Quais passos foram dados? No caso de um processo de criação onde começo, meio e fim, são borrados, como seguir as pegadas? E elas são tantas e vem de tantas direções. E tem o barro seco, da pegada gasta e o galho verde, rama recém cortada. 

Como descrever? Por aproximações? 

Adapta aqui, corta ali, aperta um pouquinho acolá.

E no final, o que ficou, foi o vivido ou foi uma nova criação?

E o que não é possível descrever?

O vazio. O caos. O êxtase. O medo. A dor. O prazer. O encontro. O suor. O muro. A porta que se abre e nem se sabe porque hoje abriu já que há meses estava fechada. E amanhã? A certeza de que nada garante que ela se abrirá novamente. Mesmo assim, repetimos passos, recriamos caminhos, organizamos procedimentos e erguemos pilares para dizer o fazer. Por vezes, é aqui que secamos, perdemos o viço. Tornamos quadrado o que é redondo. O líquido em matéria rija. E vale? Claro que vale. Assim aprendemos a conceituar, organizar, criar pontes e fundir qualidades diferentes, partilhar. Desde que não se tornem amarras. Desde que não busquemos receitas que funcionem. 

O que não podemos é nos ater a uma maneira de descrição, já que falamos de um plano de força composto por infinitas linhas. A descrição objetiva, em si, só é capaz de abarcar algumas camadas do trabalho criativo. 

Alerta: não excluir o que deu errado. O que saiu torto. O desvio. O possível fracasso. O cheiro ruim. Do aparente “erro” pode ter brotado o acerto. 

Desafio: como organizar procedimentos de maneira a auxiliar sua visualização, análise e avaliação bem como sua transmissão, mantendo o princípio do frescor da experiência?

Desejo: Recriar experiências e abrir experiências em quem lê. Falar da experiência criando uma experiência.

A briga constante com a “imaterialidade” do sensível, da arte teatral, do caminho percorrido. Elaborar uma narrativa, também ela, capaz de provocar uma experiência em quem a recebe. Organizar uma experiência singular de maneira a ser plural. 

Recontar é sempre um ato de criação, pois envolve a memória e seu fluxo circular e contínuo, em constante atualização. Toda narrativa se desenvolve no tempo, fala do tempo e no tempo. Ou em outras palavras, “explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica” (Maturana 42). E essa reformulação ou recriação é intimamente relacionada com quem a formula e ao momento em que a formula. Explicar, replicar, complicar, descomplicar. Palavras que advém da raiz latina plicare que indica dobra, vinco. Explicar seria, nesse contexto, desdobrar, mostrar o que há por dentro da dobra. Assim, explicar uma experiência é uma experiência distinta da experiência que se pretende explicar. 

Memória e criação aparecem interligados quando desejamos narrar uma experiência viva que vá além do registro formal de procedimentos, ambicionando que ela permaneça pulsante e possa contaminar. “Não existe memória pura. Toda memória é ficcional. Porque a memória é um espaço interno da gente, um espaço íntimo, onde a fantasia conversa com a realidade o tempo inteiro. Onde o vivido e o sonhado conversam na fantasia” (Queirós) [2]. Estaremos sendo menos científicos e precisos ao trazer para a conversa, entre/sobre/com o vivido, uma pitada de fantasia? Sim, se pensarmos no contexto cientificista e objetivista do mundo. Não, se ampliarmos a noção de academia, recolocando-a no conceito de conhecimento universal – UNIVERSIDADE – desatando os nós que vinculam academia e científico. Inventamos outros nós: aqueles que vinculam academia ao conhecimento. Arte como conhecimento, prático e conceitual. Arte como criação e reinvenção de outros modos de sentir, pensar, narrar, escrever. 

Quando nos propomos a uma narrativa escrita sobre um processo de criação de um espetáculo teatral e os procedimentos que envolvem essainvestigação e a apresentação cênica resultante desse processo, nossa narrativa da cena, circulamos entre duas narrativas distintas, cujos receptores também possuem diferentes expectativas: os que acessam através da escrita, esperam encontrar “viabilidade”, comprovação, verossimilhança, nos procedimentos aplicados e o receptor da poética pretende ser encantado. Racional e sensível. Como unir as duas vias na narração escrita, sendo também ela uma criação poética capaz de seduzir, conduzindo o leitor aos meandros da criação, associando a ela a informação, compreensível em si? 

Aqui chegamos ao “como” descrever o que não é possível descrever: Primeiro a palavra, o verbo. Nossa prisão?

É mais verdadeiro desenhar o verdadeiro ou escrevê-lo?

Poderá parecer ridícula a pergunta, mas o fato é que a ciência considera que é mais verdadeiro escrever o verdadeiro.

Ou outra questão: é possível escrever aquilo que é verdadeiro sobre um fenômeno e é impossível desenhá-lo ou fotografá-lo?

Será o bom pintor incapaz de pintar a verdade?

Será que as letras, será que o alfabeto se encontra mais próximo da verdade – será que é mais verdadeiro que as manchas, os traços e a cor?

(E o mais estranho de tudo isto é que há uma infinidade de línguas [uma infinidade de associações de letras para a verdade de uma coisa] enquanto se desenhares um corpo humano todos entenderão.)

Há algo de estranho, diremos até: há algo de místico na convicção de que a palavra descreve melhor a verdade do mundo [ou de que se aproxima mais dela] (Tavares 95).

Mas temos o outro lado da palavra, do verbo. Nosso voo?

Convidar o verbo para dançar. Sem dureza ou rigidez. Arejando espaços. Formal quando necessário. Mas com respiros, espaços em branco, desvios, metáforas. Não é assim nossa criação? Por que quando usamos a palavra para descrever procedimentos criativos nos tornamos, por vezes, áridos? Preto no branco? Os poetas, os contadores, os novelistas, os prosadores já torcem a poética do verbo. 

Devemos namorar com a palavra, sem leviandade e com um respeito desrespeitoso. Mergulhar na escrita, nas palavras, como quando exploramos ações físicas na sala de trabalho. As palavras têm som, cor, ritmo, temperatura. Também comunicam no espaço da invisibilidade, no espaço “entre”, não apenas entre uma linha dupla entre a pessoa que escreve e a que lê. Estamos defronte a um mínimo de quadro triplo e dinâmico: quem escreve, o universo aberto pelas palavras e quem a recebe. Será que assim diríamos melhor o que não é possível ser dito?

Em “Ao Farol” Virginia Wolf pretendia que se ouvisse o mar ao longo de todo o texto. E escreve em seus diários: “o que eu gostaria de fazer é saturar cada átomo” (In Alan Pauls apud Deleuze 209).[3] Ou seja, podemos ambicionar uma escrita microscópica, instável, que não é visível nem consistente, uma escrita molecular. Explorar todo um leque de possibilidades que cada partícula nos oferece.

Perceber a diferença entre o “falar de dentro (do vivido) partindo do dentro (do lugar da experiência)” e o falar de fora sobre o dentro”, que é o que mais comumente acabamos por fazer. 

Absorver os conceitos, necessários e bem-vindos, como parceiros dessa criação. Absorvê-los e internalizá-los e não falar “sobre” eles, mas “com” eles, em atravessamento mútuo.

Não somos Virginia Wolf! Mas podemos, ao menos, correr riscos. 

 

E LÁ VAMOS NÓS:

Inicio essa escrita - essa aqui e agora, que pretende abarcar uma pequena parte do processo de criação de SerEstando Mulheres - como se adentrasse a sala de ensaio vazia, no primeiro dia de uma criação. Em busca... À espera... Com desejo de... Em alerta. Entre espera e ação. 

Expectativa. Suspensão. Que portas serão abertas? Quais vozes irão surgir? Palavras velhas, enrodilhadas em mantas de tricô, cheirando a mofo? Palavras novinhas, de pernas curtas, se enroscando nos móveis, tatitubeando? Palavras mascaradas, que dizem sem dizer, se disfarçando em outros, com medo de se expôr? Sabe-se lá! Já suspiro a suspensão, anseio por ela. Pela vertigem do salto no vazio, nesse escuro da linguagem carne, do corpo língua. 

                                                           M

                                                           E

                                                           L

                                                           A

                                                           N

                                                           Ç

                                                           O

Caio flutuando na biblioteca vazia de uma escola pública na pequena cidade de São João da Boa Vista. Se é que podemos chamar de biblioteca uma sala abarrotada de pilhas de livros empoeirados. Desordenados. Entregues a própria sorte. Machado de Assis apoiando seu peso em Monteiro Lobato, que meio desfolhado, meio Emília descabelada, despenca sobre um Manual de Física Aplicada. Mas todos alegres pela visitante inesperada, em tempos de visita rara. Entre poeira, mofo e raios de sol que teimam em vazar pelas janelas estreitas. 

A descrição pode parecer desoladora à princípio, mas na criança que eu era e que agora atualizo nesse fragmento, só vejo fascínio. Sorriso nos lábios, ajeito os óculos de míope, guardo a chave da sala no bolso e percorro as pilhas, fuçando, cheirando, tateando. Uau, o “Morro dos Ventos Uivantes”! E dali já me transporto para o alto de uma montanha, frio intenso, cabelos ao vento, prestes a ser resgatada por algum rapaz belo também ele de cabelos ao vento. Saio da sala com o livro embaixo do braço, coração saltitando. 

Meu encontro com as palavras veio de miúda, herança do pai semianalfabeto, que devorava manuais de ensino à distância. Juntos líamos meus livros de português da escola primária (os únicos disponíveis em nossa casa) como se fossem clássicos da literatura, nossos únicos exemplares de leitura na casa. As histórias do semestre eram consumidas avidamente em uma semana, restando após apenas o vazio da repetição. Mundos eram visitados, meu quarto se expandia e assim eu nem ouvia os gritos da mãe. Ela se apavorava vai brincar na rua, menina! Vai ficar cega de tanto ler! Depois do sarampo essa menina nunca mais foi a mesma, ficou lerda (dramática ela!). Lerdo também era o meu pai aposentado que não saía da cadeira, emplastrado todo o tempo com um livro na mão.

Aprendi aí a respeitar as palavras. Delas me enamorei. Poderosas em criar mundos, não somente os internos, da fantasia, que me transportavam e silenciavam a dor dos gritos da mãe, mas a criação de novos mundos - talvez tão fantasiosos quanto e justo por isso reais - que sacodem, desacomodam, apontam direções. Através das palavras me reinvento, crio a minha maneira de serestar no mundo. 

Escrevo porque acredito no poder da narrativa da vida em transformar a própria vida. E acredito mais ainda no poder de transtorná-la (Brum 18). 

Mas tenho um defeito (claro, tenho vários): só sei falar, lançar o olhar para fora, partindo do meu quintal. Só ali encontro coragem pra me lançar e olhar o mundo. Só encontro palavras para dizer sobre o que me atravessa, desconcerta, move e tira do eixo. De cada experiência, seja ela como atriz ou narradora de processos, saio sempre esfolada, com pedaços a mais ou a menos. Me sentindo viva. Com ares de Clarice: de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.[4]

Não escrevo para apaziguar, nem a mim nem a você. Pra mim só faz sentido escrever se for para desacomodar, perturbar, inquietar (Brum 18).

Por isso quando falo do estado de suspensão e expectativa antes da escrita, antes da travessia que começo agora, é porque assim entendo a escrita: como criação. E como toda criação não sei onde vai dar, só posso confiar e me entregar. Entrar no caos, no meio da matéria bruta, eleger fragmentos e desacelerar, mantendo ainda a pulsação e ali me refastelar. Claro que mergulho de mãos dadas com outras pessoas, palavras, imagens, experiências. Não sou suicida. Aperto forte a mão que me apoia. Às vezes brinco de me soltar, para me perder um pouco, vertiginar. Depois respiro, faço pausa, empresto vozes. 

O que carrego como desafio é esvaziar o olhar e garimpar em cada processo de criação de cena a narrativa que lhe é particular. Como agora tento fazer com o processo de criação de SerEstando Mulheres. Que corpo de palavras essa experiência pede? Qual ritmo, cheiro, espaço, tempo? Ou quais ritmos, cheiros, espaços, tempos? Assim no plural e tudo misturado. E ainda amplio o desafio, que ela seja uma escrita corpo, que me revele/provoque sensações também enquanto escrevo e quem sabe em quem lê. Desejo antigo e já verbalizado. O que me obriga, enquanto desejo, a esvaziar o olhar e a ampliar a escuta. Expandir afetos: “Afastar da língua estando sempre possuído pelos sentidos” (Uno 64). Linguagem associada a sensação, germinada no próprio campo da experiência, devendo ser tocada com a ponta dos dedos para não se esvaziar quando trazida para a consciência.

Dar nascimentos a palavras corpo, não é algo simples, é até bem complicado. Eu coloco aqui como desejo, toda metida, não por me sentir capaz, mas por desejar tanto e crer que o desejo aliado ao suor pode me ajudar a fazer pequenos nascimentos. 

E como ambiciono encontrar palavras com qualidades de som, boas para ouvir e dizer, espero que elas ressoem, que vibrem no espaço entre. Uma língua capaz não só de dizer, mas de escutar, “uma língua na qual as coisas mudas me falam” (Hofmannsthal in Uno 64).

Esse contrato é encarado com muita seriedade por mim. Algo que não negocio. E se me vejo mentindo, ou sendo rasa, me martirizo (e minto tanto!). É minha aposta sobre uma maneira de estar no mundo. “A narratividade como posição política que tomamos em relação ao mundo e a nós mesmos” (Passos; Kastrup; Escóssia 151). Como espaço de atuação no mundo. Um espaço de forças, nascimento e morte, rupturas com a acomodação, com os velhos clichês pessoais, com o já pensado e estabelecido, e romper para ir além, criar novos parâmetros, exige esforço, o corpo sai doído. É preciso piscar os olhos várias vezes, pra que a poeira se dissipe e uma nova paisagem possa surgir. 

Falar por afeto, por experimentação, falar em nome próprio, falar no singular (Rolnik 40).

Entendo o processo de criação do SerEstando Mulheres como uma experiência única e particular. Desconfio até que não partilhável, enquanto experiência como algo não transferível, mas acredito que sua narração/reflexão possa provocar ressonância, eco, contaminação, possível de inspirar outros processos. Do contrário, qual sentido teria estar aqui sentada escrevendo enquanto meus filhos brincam sozinhos no quintal?

 

Corpo Desmontagem

O desejo.

De novo ele, sempre ele.

Pode um homem apaixonado provar algo? Devemos acreditar nele, na sua objetividade [como se diz]?

E pode um homem não apaixonado provar algo?

Mas há outro modo de pensar no assunto: entender a paixão como método de prova.

- Para mim, o facto está mais que provado: eu amo o facto (Tavares 54). 

O desejo veio do tempo ou da percepção dele. Veio do olhar pra trás e ver vinte anos. “Uma vida!”, como diria Rouca.[5] Uma vida. Vinte anos de pesquisa contínua, debruçada sobre as especificidades do trabalho do ator, circulando entre a pesquisa de técnicas que potencializam a presença do atuador, a construção e a apresentação de espetáculos, cursos, demonstrações de trabalho coletivas e publicações. 

Dá pra sentir o peso nas costas, no joelho que falha, no ombro que dói. Dá também pra sentir no gosto bom de estar em cena (antes medo, hoje um pouquinho menos), no ter o que dizer e acreditar no que diz e principalmente no “ser” o que se diz ser (mesmo porque em matéria de ser em cena pouco se consegue mentir).

Há quatro anos, no processo de construção do espetáculo solo “Você”, a crise era a acomodação do corpo, meu corpo velho de si mesmo, “aos poucos fui percebendo que a paisagem se repetia, eu me deparava com o mesmo chão pisado e já gasto pelos meus passos. Tentei caminhos novos, andar de costas, subir na árvore e, quando relaxava, lá estava eu de novo, afundando no mesmo chão” (Colla 51). Busquei, vertiginosamente, o dizer-me diferente. 

Hoje, mais apaziguada, caminho no sentido contrário: me reconhecer no já dito. Esse é o desejo. E quando olhei para trás, para o vivido, cheguei a elas: minhas mulheres. E novamente me enamorei.

Quando o desejo brotou forte, de mapear um caminho percorrido, percebi que as corporeidades que mantiveram sua intensidade, mesmo com o passar dos anos, foram as femininas. Talvez contaminada pelo desenvolvimento de um olhar focado no feminino, após ter participado em 2008, 2010 e 2014, do Encontro e Festival de Teatro Feito por Mulheres Vértice Brasil[6], onde a questão do fazer teatral feito por mulheres é amplamente discutido. Talvez por ter me tornado mãe e assim me ressignificado enquanto filha e esse cruzamento com a atriz ter potencializado os diferentes territórios por onde nós, mulheres, circulamos e as diferentes sensibilidades que cada um deles nos exige. Talvez por me ver espelhada em cada uma delas, mulheres observadas e recriadas por mim ou construídas no fervor da sala de trabalho. Talvez pelo colorido, tão singular de cada uma; da penumbra da velha acamada, da cor rosa da menina velha com rugas, do ocre crú e intenso das ruas, do pinkfútil da loira Nataly. Quantas mulheres somos! E pelo prazer de me ver vestida de todas elas.

Esses foram os sentimentos, partes potentes da criação - diamantes - que dão sentido e calor, por vezes relegados em nome das objetivações, perigosas e matreiras e que, quando nos descuidamos, nos levam a pasteurização, cegando-nos para as diferenças.

Uma ciência que não investiga os sentimentos serve para quê?

Serve para tudo aquilo que não é sentimento.

Serve, pois, o homem?

Serve toda parte do homem que não é sentimento (Tavares 16). 

Farei agora um breve relato objetivo sobre como o trabalho foi se desenhando. Impregnada do desejo, enamorada pelas mulheres, de mãos dadas com o Fernando[7], proseando com a Raquel, o Simioni e o Renato[8], o caminho foi se desenhando rumo a criação do que seria uma demonstração de trabalho nos moldes já realizados por mim, junto ao Lume. 

Nesse primeiro momento um outro foco era construir algo que possibilitasse a visualização do processo de construção de uma técnica pessoal de representação, partindo do pressuposto de que técnica é uma compilação de procedimentos e elementos organizados de maneira particular. E que a experimentação e desenvolvimento desses elementos só podem ser assimilados individualmente, para assim tornarem-se próprios. E que nunca uma pessoa fará igual à outra, porque os sujeitos são diferentes entre si e sua relação com os procedimentos é particular. Podemos, assim, considerar que a organização pessoal de procedimentos experienciados pode ser denominada de uma técnica pessoal, individual, mesmo que ela possua pontos de contato com outros. Evidenciando principalmente a coleta realizada através da mímese corpórea e da dança pessoal, bem como a relação da dança pessoal com a dança butô, processos que vem sendo experienciados no LUME desde sua criação. Cada uma das mulheres, personas, figuras, corpos, que compõem o material elegido sintetiza uma fase específica da construção e desenvolvimento dos procedimentos mencionados, o que permitiria ao espectador, seja ele estudioso do teatro ou não, visualizar o caminho percorrido. E as primeiras experimentações seguiram nessa direção.

No final do primeiro encontro de criação em Brasília com o Fernando Villar, já nos arriscamos e abrimos o processo para os alunos de teatro da UnB, onde o Fernando é professor. Tínhamos um esboço com começo, meio e fim, do que queríamos dizer. O retorno dos alunos, após a apresentação, foi extremamente receptivo, com colocações que nos auxiliaram nas definições dos próximos passos. Verificamos que algumas cenas eram por demais extensas, dificultando o fluxo entre elas. Outras eram potentes, principalmente as que não tinham uma costura muito definida e que, justamente por isso, abriam espaço para o improviso e a relação direta com o público. O bate-papo final se mostrou fundamental para o esclarecimento de dúvidas, procedimentos e panorama histórico do Lume (criação de espetáculos, dinâmica de funcionamento, especificidades sobre cada linha de pesquisa).

Retornando ao Lume, mostrei a gravação em vídeo da apresentação em Brasília para os atores do Lume, Raquel Scotti Hirson, Carlos Simioni e Renato Ferracini e nos reunimos para dividir impressões sobre a primeira experimentação prática realizada. Para mim, esse tempo de distanciamento entre a apresentação realizada e meu encontro com os parceiros do Lume, foi fundamental para a conquista de um olhar mais distanciado sobre a proposta que havíamos chegado.

Muitas das colocações feitas por eles vieram a confirmar impressões que já pulsavam e outras nos deram coragem para assumir alguns pontos que considerávamos importantes e ainda não havíamos encontrado saída.

Consideração básica que norteou nosso olhar: no roteiro 1 havia um excesso de explicações sobre cada um dos procedimentos, o que acabava por conduzir a demonstração para um distanciamento não desejado. O que nos levou a reflexão de que as demonstrações do Lume realizadas até então, e criadas em anos anteriores, necessitavam desse formato explicativo em função de muitos termos e procedimentos serem desconhecidos do público. Hoje com a propagação de publicações, cursos e palestras, muitas dessas informações já se encontram acessíveis, o que nos permite arriscar em direção a novos formatos. Essa seria uma oportunidade de testarmos essas impressões.

Partindo desse princípio resolvemos radicalizar e extrair todas as informações técnicas (que seriam colocadas e compartilhadas com o público na conversa posterior a demonstração), permitindo que as matrizes se interligassem de maneira poética, elegendo opções que potencializassem a cena.

Ao radicalizar, extraindo as informações objetivas sobre as técnicas envolvidas - mesmo elas estando subjacentes ao fazer - o que foi para o primeiro plano foi justamente o que mais pulsava em mim como desejo e que aqui se impõe como presença: a diluição de fronteiras. Entre a técnica e a vida, entre a atriz e a mulher, entre o pessoal e o privado, entre o real e o ficcional, entre a atriz e o espectador. E sem essas fronteiras o encontro, a relação (seja ela a relação entre os materiais, seja ela com o público), ganhou o centro da cena. E o que acabou por se desenhar é algo tão íntimo e caro pra mim, que o prazer se tornou a palavra-chave quando tenho que defini-lo. O prazer na vulnerabilidade. Algo por demais precioso.

Digo tudo isso pra tentar chegar ao ponto em que me encontro. Nas dúvidas. Será SerEstando Mulheres uma demonstração técnica como nomeamos a princípio e de onde partimos para sua criação? Ou será uma demonstração de trabalho, já que não é uma exposição de técnicas e envolve mais claramente uma trajetória? Mas onde fica seu caráter espetacular, já que utilizamos recursos cênicos como figurino, luz e som e apesar de sua simplicidade ajudam a compor uma atmosfera sensível? Seria então uma demonstração-espetáculo? Ou uma aula espetáculo? 

Não se trata apenas de definir se é isso ou aquilo para compor um release e melhor defini-lo enquanto produto, mas sim a que essa criação se alia no seu fazer/estar no mundo. E partindo dessas inquietações me embrenhei - ou esbarrei meio sem querer ou saber - no termo/conceito Desmontagem Cênica. 

Em conversas com Simioni, que havia acabado de assistir ao trabalho “Confesiones” da atriz Ana Correa, do grupo peruano Yuyachkani, encontrei pontos de encontro com o que desejava. Depois veio um encontro com a Tânia Farias, atriz do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, que também vivia o desejo de construir uma demonstração de trabalho sobre sua trajetória de quase vinte anos no grupo e que me trazia novamente a notícia do termo desmontagem contaminada pelo encontro com a atriz Teresa Ralli (Yuyachkani) e cujo resultado tive o prazer de assistir, um tempo depois, no Festival Internacional de São José do Rio Preto. Eu, a princípio, com toda minha ignorância, julguei que a diferença de nomenclatura - desmontagem ao invés de demonstração - se devia apenas às diferenças de idiomas de origem e não a uma ampliação dos princípios. Aos poucos fui percebendo que existiam algumas diferenciações importantes e fiquei com o desejo de aprofundar. E reforço, o interesse veio menos pelo desejo de encontrar uma nomenclatura que abarcasse o processo do SerEstando e encaixá-lo em algo já existente, mas em busca de reconhecer as opções feitas em sua construção e o quanto elas determinavam seu lugar de pertencimento e vibração.

Chego então a Profa. Dra. Ileana Diéguez, da Universidade Autônoma Metropolitana do México. Ileana é curadora dos projetos Desmontajes: processos de investigación y creación (CITRU/INBA, 2003- 2009) e Des/montar la re/presentación (CA Expresión y representación, UAM-C, 2010) e autora do livro Des/tejiendo escenas - Desmontajes: processos de investigación y creación (2009).[9]

Encontro a seguinte definição: 

A proposta de desmontagem carrega consigo um histórico baseado nas demonstrações de trabalho, mas surge com outros aspectos relevantes, como ‘uma investigação interessada em fazer visível o tecido criativo através dos depoimentos, desconstruções e reconstruções dos próprios autores’ (Diéguez 18). Nesse sentido, diferencia-se das demonstrações, pois está interessada em desvelar questões mais profundas dos processos de criação, questões de cunho, muitas vezes, pessoal e memorial. Não busca somente uma mostra do trabalho processual ou técnico, é mais vertical, implica em relações políticas, sociais e contextuais da criação cênica (Peres 77) [10]

Sem pretender aqui desenvolver um estudo mais aprofundado sobre o conceito desmontagem, vejo que SerEstando se liga a ele enquanto desejo de criar uma narrativa cênica que desvele, revele, exponha. Através do recorte de procedimentos que ganham novas roupagens e adquirem autonomia poética em outro contexto. Ganhando ainda a função de registrar e refletir sobre obras passadas, agora recontextualizadas. Revelando além do como, os porquês de cada escolha. Sem o objetivo de perpetuar modelos, já que cada experiência cênica de desmontagem vem impregnada da vivência de cada criador que a originou.

O que a conecta, ao menos em SerEstando, aos processos que envolvem a autobiografia[11] como deflagrador de processos que ultrapassam a questão da subjetividade, criando um jogo de forças entre memórias, seja a minha, a do outro, ou as geradas pelo encontro. Processos que buscam uma cena expandida, cujas fronteiras entre ficção e realidade são diluídas, propondo/fuçando/inventando narrativas que deem conta de uma vivência, redefinindo ou ampliando a relação com o espectador, que muitas vezes, acaba por ser convidado a adentrar na cena de maneira passiva ou não, de acordo com a potência de contaminação que se estabelece. E é com o rompimento e diluição dessas fronteiras que me delicio serestando.   

Acabo essa parte da escrita e vejo que não dancei com as palavras. Dei as mãos para as velhas conhecidas e confortáveis. Elas ficaram felizes em seu sofá quentinho. Eu termino inquieta, me remexendo na cadeira.

 

Cartografia dos Corpos 

Quando digo CORPO, digo multiplicidades, atravessamentos, contaminações, linhas de forças múltiplas, ressonâncias, devires, afetações, emergências, experiência, encontro, memória, criação, carne, língua. Tudo junto e misturado. De boca cheia.

Não há portanto corpo único (...) mas múltiplos corpos. O corpo do bailarino (...) é composto de uma multiplicidade de corpos (Gil 44).

Essa sou eu vestida de todas essas mulheres. 

Assim termino ou assim começo. 

Tantas somos.

Para encontrá-las, habitantes de anos, fui me descamando. Esfarelando a pele. Tateando de olhos fechados, passeando por cheiros e densidades, sabores. Caminhei muito, quilômetros, dias, anos inteiros. Sol, chuva, chuvisco, frio, secura. Entre a mata alta, casebres abandonados, praças públicas com chafariz, prédios fantasmas, fábricas escuras regadas a suor, até mesmo zoológicos. 

Às vezes nua, outras vestida, de festa, de homem, de menina, de bicho, de medo, de vermelho, de árvore.

Eia, deixa-me cantar bem alto

Pra chamar minhas companheiras.

Não me deixem assim tão só

Vem aqui me acompanhar.

 

E foram chegando...

Dona Maria. Presente! 

Dona Maroquinha. Presente!

Dona Laranjeira. Presente!

Madame Pacaembú. Presente!

Luciana. Presente! Qu’é que tá me olhando, tu é sapatona, é!

Pao. Presente!

Nataly Menezes. Presente, querida!

A Velha. Presente...

 

Corpo Mãe

A mãe demorou pra chegar. Foi a última delas. Não encontrava espaço nem lugar. Tive que abrir um buraco pra que ela pudesse passar. Sangrou. Sangra até hoje, cada vez que ela chega. Milagro a cada dia o sangue em água para não machucar quem me olha.

O buraco por onde ela passa apertadinho, fecha a cada vez. Cicatriza e deixa de doer. Mas pra uma nova visita, tenho que enfiar o dedo de novo e alargar. Dói sempre mas eu gosto da visita.

Na verdade, a demora dela em chegar foi porque não a convidei. Não sei se me esqueci ou fingi esquecimento. Só quando ouvi os gritos dela lá fora foi que a deixei entrar. Tive medo da braveza que, por culpa do esquecimento, ela pudesse estar. 

Mas ela veio de mansinho, se alojou num canto e ganhou a honra de ser a primeira.  

Tratei de apresentá-la a todas e todos:

“A primeira das minhas mulheres, minha primeira mestra, foi minha mãe. Que me ensinou a dor de existir.”

Vi que ela sorriu, de lábios finos, orgulhosa. Afinal não viveu em vão. Havia me marcado, a ferro, fogo e água. Presenteei a ela um tapete, cheio de flores, buriladas por várias mulheres, jovens e velhas. Eu mesma fiz uma, de crochê, lã fininha vermelha. Chamei-a pra dançar. Ela sem corpo se enovelou no tapete e aceitou a dança. Fez-se corpo através do tapete azul redondo.

Assim bailamos a cada encontro. De mãos dadas. Nesse encontro dança partilhamos intensidades, amores, volteios, certa dose de raiva, fúria, tourada, suspensão. Até que nos fundimos no final, casulo ninho útero. No escurinho morno que ali se instala, a memória rasga fresca, também querendo dançar: “memória primeira, de infância miúda, a voz da mãe ecoando lá no fundo ‘eu vou me matar, mas primeiro eu vou matar você. O que você faria sozinha nesse mundo sem mim?’” 

A pergunta ecoa, pulsante, ainda hoje, quarenta anos depois.

 

Corpo Dona Maria

Dona Maria, a primeira[12]

Corpo entrevado, coberto por roupas multicores. Osso e pele, quase negra. Cheiro forte, de tempo, de mofo, de fumo, saliva negra, cuspida no pote de margarina ao lado da cama. Na latinha, a urina, que o ânimo já não alimenta o corpo até o banheiro. Na mesa, entre quinquilharias, a xícara com o resto da refeição, entrelaçada em fios de cabelos brancos, resquícios de vaidade perdida. Tudo sob o olhar de Nossa Senhora que tudo vê, habitante antiga, há anos compartilhando a parede com Santa Teresa e São Cosme e São Damião. Oi Dona Maria, vozinha fina, carinhosa, meio tímida, invadindo um território que não me pertencia, mas me convidei para entrar. Porta aberta, fui entrando. Quarto escuro, só uma fresta de luz. Oh, minha filha, faz tempo que não recebo umas visita, que eu num vejo gente. O mundo vai acabar e nóis temo que vivê muitia coisa, nóis ainda num viu nada. Graças a Deus, né. Nóis ainda num viu nada. Mais pro fim do mundo vai vim o Cristo e o Anticristo, ce já num viu falá disso? O Cristo e o Anticristo. O Cristo veio fazê (pausa) curano aquelas doença infadível, aquelas doença braba, tudo, né. E o Anti-Cristo vem (baixinho) fazê ruindade. Fazê ruindade. É, é perigoso. Esse chama saci-pererê, é, uai, esse é o saci-pererê. Faz ruindade, ele vem pra fazê aquelas coisa maldade. Diz que é um mosquitinho, a gente num tá sabendo o que é que é, né. Ele aparece em qualquer lugar. É preciso a gente pedi a Deusi pr’ele nunca atentá, nunca atentá. Quando ocêis for embora, ocêis vão se lembrando dessa véia feia, oh, véia feia (risada). Tô gostando muito d’ôceis, tô achando ôceis umas moça muito preparada. E ocêis traz um retratinho d’ocêis pra mim, fiquei querendo bem ocêis. Pode gravar aí, a véia Maria quer bem nóis.

Eu menina-moça, me doía. Era a primeira vez que via meu país e seu povo tão de perto. Pela primeira vez ampliava o olhar, além do meu pequeno mundo. Vivi aconchego, desespero e solidão. 

Era aprendiz do olhar. Esse era meu maior desafio. Buscava ver além do que era dito ou visto por meus olhos. Um olhar que age e aproxima, envolvendo os objetos numa atmosfera que também me envolva, me faça parte. Não bastava ver, tinha que carregar na pele a imensidão do vivido. O cheiro (urina, fumo, comida, pó, clausura), a cor (da pele, das paredes, da penumbra, do fumo, da roupa, da comida, da urina, das unhas), a risada (aguda, fresca, de qual idade?), as mãos trêmulas (tagarelas, remexendo tecidos, escondendo a boca, gelada no toque), a língua sibilando numa boca sem dentes, o cuspe, o olhar cego, a pele seca, a lentidão, o saci-pererê (meu Deus, como apareceu aqui ao lado do Anticristo?). Tanto para carregar que precisei de máquina fotográfica, caderno, gravador, minha memória, meu sentir.

Para vestí-la me desnudei. Ou tirei de mim tudo o que não era Dona Maria. Comecei pela voz, fita cassete em mãos (é, naquele tempo menino, a gente usava fita cassete!), vai pra frente, vai pra trás, ouve, transcreve, seleciona, ouve de novo, repete, busca o timbre, estranha, se irrita, dá uma volta, ouve de novo, repete a mesma frase infinitas vezes, uma voz semelhante se sobrepõe à voz de dona Maria, repetição para não perder, tenta outra frase e assim, peça por peça, voz e texto ganharam forma. Maxilar relaxado, musculatura facial frouxa, língua sibilante saindo da boca. O ar sai pressionado, impulsionado pelo abdômen. As palavras saindo até o final do ar, entremeado com longos suspiros. A tentativa da fala com uma pequena sobra de ar. Essa descoberta me trouxe a sensação de cansaço e peso, característicos da idade. 

O corpo escorreu da voz. Pequenas ações, foco principal nas mãos e pés ressequidos, síntese de toda expressão do corpo, já que esse, entrevado, encontrava-se recoberto. Mas o que fazer com meu corpo vivo embaixo das cobertas? Chego à respiração da musculatura, procuro a passagem do ar pelo corpo cansado, inerte, sonoro. Assim, meu corpo se aquieta, a pele se gruda aos ossos, meus músculos se retesam, entre vibração e tremor.

 

Corpo Maroquinha

Dona Maroquinha.[13]

Chegou de fininho. Encolhida dentro de si num canto da sala abarrotada de gente festiva. Meu olhar só conseguia vê-la. Vestido rosa, uma menina com rugas e marcas, olhar tímido, voz miúda. Moradora da casa rosa de madeira ao lado da prefeitura. Na geladeira vazia reinava uma lata de leite condensado. Na sala uma rede, o resto eram paredes. Médica de boto desde o nascimento. Diagnóstico informado a sua mãe por Dona Julieta, olha essa bichinha, não judei dela, ela é médica de boto, não judei.O que lhe rendeu tristeza e choro nas noites de quinta pra sexta, quando sentia o boto lhe fazendo visita. O remédio? Banhos de folha de alho, sete, folha de maturacá, sete, folha de araticum, sete, todos sete. A gente esfrega, lava bem e joga pro danado do boto. Afeição mesmo tem pelo Joãozinho, desde menina, mas casar não pode porque tem o fígado branco e o que acontece nesse caso é que o marido morre.

Nela vi minha mãe. Dolorida. 

Carreguei-a na mochila de Novo Airão a Campinas. Rastros no caderno, nas fotos, fragmentos de voz. Na sala, nos aproximamos. Estamos juntas há dezessete anos. 

Como não era a primeira, tive menos respeito e me apropriei. Não precisava provar mais nada, fidelidade à técnica ou capacidade de realizá-la. Suavizei.

Maroquinha me chegou fortemente através das palavras. Sua narrativa partilhando pedaços da vida foi por onde entrei. Editei um texto que para mim sintetizava nosso encontro e onde a visse refletida. Aos poucos, a musicalidade do texto foi se desenhando, agudos, pausas, respiros, acentos. Uma partitura musical com uma notação particular, ouvida e repetida exaustivamente. 

Através das fotos transpus imagens para o corpo. Maroquinha andando, Maroquinha sentada olhando as mãos, Maroquinha tampando os ouvidos, Maroquinha coçando a cabeça, Maroquinha com as mãos no joelho, Maroquinha sorrindo, Maroquinha se encolhendo. Primeiro as imagens estáticas, e a cada vestir um novo habitar. Como num quebra-cabeça, voz e corpo foram sendo costurados. O impulso dado por um se ligando ao outro, originando outro. Pequenas ações de ligação foram surgindo, originárias da costura voz e corpo ou nascidas da memória do nosso encontro. 

A respiração trouxe o que faltava. O timbre da voz adquiriu uma textura airada, por onde vazava a fragilidade infantil da velha menina. Ditando também o ritmo das ações e sua coloração. O ar me escapava veloz, entre os lábios semi serrados, lado esquerdo grudado.

Desse estado surgiu o olhar, tímido, de baixo para cima, ora esgueirado.

Nesse período opero minha miopia e percebo a dificuldade em olhar vendo o olhar que me olha. Até então, durante os espetáculos uma névoa cobria tudo o que eu via. Ao tirar os óculos na cena, me libertava do olhar do outro e nadava livre em meu próprio mar de imagens e sensações. A relação com o público não passava pelos olhos. O outro era uma pasta informe que eu absorvia através dos sons, do calor, de algumas movimentações. O sentido do coletivo predominava sobre a percepção individual. Ser vazada pelo olhar do outro, me fez reforçar o olhar para o meu próprio olhar e o que por ele era refletido. Mentir me pareceu mais difícil.

Com a Maroquinha fecho uma partitura fixa, o que eu julgava impossível. Quando o Burnier[14] me pediu em 1993 que eu elaborasse uma partitura do Seu Renato Torto, onde texto e ações se repetissem, incluindo direcionamento do olhar, entre outros elementos, julguei que essa rigidez me faria perder a situação de jogo e relação direta com a plateia que a cena pedia. Retomo esse desafio no ano de 1999 e percebo que a organicidade das ações não foi comprometida.

Sob um abajur verde, sentada numa cadeira de madeira, Dona Maroquinha partilha a história de sua vida no espetáculo Café com Queijo.

E U    M E S M O

 

O    OU T R O                                                           O    O U T RO 

 

O

U É uma presença que se integra a nossa textura sensível, tornando-se,

T assim, parte de nós mesmos (Rolnik 12) 

R

O    OU T R O                                                           O    OU T R O

 

                                                                                             E U    M E S M O

 

Corpo Rua

Fomos para as ruas. São Paulo e Rio de Janeiro. Praça da Sé, Estação da Luz, Anhangabaú, Glória, Lapa, Praça da República, Laranjeira, Candelária, Cinelândia, Praça XV. E nem precisava ter ido tão longe, bastava olhar para o lado. 

Além das pessoas em situação de rua, visitamos zoológicos, em busca dos macacos, esse bando enjaulado em pequenas ilhas de terra cercadas de água, coçando-se uns aos outros, copulando, caçando piolhos, comendo, expostos ao nosso olhar. Alguma semelhança?

Tentei ficar invisível. Por medo. Pensei que pudesse olhar sem ser vista. Por medo. Eles estão todos aqui, expostos (comendo, defecando, tomando banho, dormindo, namorando), ninguém vai me ver. Mas meu cheiro era forte, de limpeza, cama quente, comida no prato. De medo. Que tá me olhando? Tu é sapatona, é?

Tive que redescobrir o contato. Transpor o medo. Elaborei perguntas: qual é seu sonho? (Hoje me parece uma pergunta cruel, mas não é isso que buscamos? A carne exposta?). E fui abrindo feridas. Luciana, Titina, Rosângela, Laura, Beatriz e dezenas de sem nome. 

Dona Laranjeira, Madame Pacaembu, Luciana, nelas estão reunidas fotos, textos, vozes, ações, do todo observado e absorvido. A ambição era transformar em matrizesou formas de força, as qualidades de energia encontradas, possíveis de serem compartimentalizadas segundo suas dinâmicas e níveis de tensões musculares, passíveis de dançarem diferentes ações físicas. Séries de ações divergentes que se integrariam tendo um fundo matizado de diferentes padrões energéticos (corpo louco, corpo drogado, corpo mole, corpo esquizofrênico, entre outros), provenientes todos dessa macro qualidade Corpo Rua. 

Até então a codificação passava pela incorporação das ações observadas de determinada pessoa. O Corpo Dona Maria tinha sua origem na corporeidade da Dona Maria, buscando uma fidelidade a seus gestos e expressões. Mas longe de ser algo fechado e rígido, as experiências, já nessa época, se expandiam para colagens múltiplas, o que também nos possibilitava, depois de codificadas as ações, colar ações oriundas de diferentes pessoas para compor uma nova. A fisicidade de um, com a ação vocal de outro, dando voz às palavras de um terceiro, criando um corpo híbrido. Com a pesquisa nas ruas, ao dar ênfase às qualidades de energia, estávamos focando nos conteúdos vibratórios, com suas texturas, ritmos, respiração, níveis de tensão muscular e não na forma da ação no espaço. Estávamos mais livres para dançar e dessa dança deixar brotar as ações, sejam elas observadas em campo ou nascidas da situação de jogo. As ações iam sendo memorizadas, ou formalizadas para uma possível repetição, também em situação de jogo. Importante frisar que essa apropriacão não passava, em nenhum momento, pela repetição mecânica das formas, correndo o risco de um esvaziamento. A retomada “em vida” fazia com que somente as ações, ou formas de força, que mantinham sua intensidade após terem surgido e que continuavam a aparecer na situação de relação entre as atrizes ou objetos ou na relação entre materiais, é que passavam a compor uma espécie de repertório de ações.

O que faz com que esse Corpo da Rua, essa multiplicidade de corpos, criado a partir desse foco, crie um corpo expandido, com um repertório de ações ampliado. Antes, o desafio era circular de uma mímese para outra sem contaminá-las, diferençando-as claramente entre si. Agora a contaminação era a própria pesquisa. Partindo de conteúdos vibratórios de determinada comunidade de indivíduos e chegando a um corpo híbrido ganhávamos uma liberdade maior para a dança das ações, muitas delas oriundas da relação de jogo entre as atrizes. A situação de jogo, partindo de códigos e qualidade incorporadas, conduz o ator a responder o estímulo enviado dentro de determinada qualidade, sendo que a recepção e sua resposta posterior é a própria transformação da qualidade inicial. 

 

Multiplicidades. Devires

Qual o seu nome?[15]

Luciana Avelinho da Silva, apelido por profecia Ana Estéril, outro José, um Jacó, código de guerra. Meu apelido em Recife é papa léguas (LUCIANA, SP).

Meu nome é Cristina. Bem, olha, pra dizer a verdade, meu nome num é Cristina não. Eu já tive vários nome. Já fui Elza, já fui Maria da Glória, é, já tive vários nome. Por último agora é Cristina, meu apelido é Titina. É apelido do meu nome, diminutivo, é melhor do que o nome (DONA TITINA, RJ)

Rosângela. É Rosângela. É Elisângela. É dos Anjos. É. É língua. Língua dos anjos. Acho que ninguém conhece essa língua. É eu, é minha família. É língua dos anjos, né. É língua americana. Portuguesa de Portugal. Miami. Roma. Londres. É vários tipos de língua.

Eu tive tanto sonho...

eu tive tanto sonho...

que acabei dormindo e esqueci dos sonhos...

esqueci dos sonhos... (ROSÂNGELA, RJ)

 

Corpo Infância

O Corpo Infância aparece em SerEstando como composição entre a corporeidade da Pao e poetizações da Cris menina.

Começo assim: Resolvi voltar pra casa, para o meu tempo menina.

Fui de escafandro e lanterna na mão. Tinha medo de me afogar e não enxergar o caminho de volta. Por precaução amarrei um barbante no dedo e o deixei preso na maçaneta da porta azul da minha casa. Igual quando, em criança, me arrancavam os dentes de leite que teimavam em permanecer moles, sem cair. Nesse tempo menina reencontrei minha mãe, a vó Maria, meu pai Dimas, minha pequena Manuela que já tinha brotado do meu ventre, meu cachorro dick, o bêbado da esquina...

O texto acima havia sido escrito quando da montagem do meu primeiro solo Você, criado em 2009 e com direção do bailarino de butô Tadashi Endo. Nos debruçamos sobre alguns poemas escritos por mim, sob o olhar da criança que fui e que ainda vive em mim.

Era a primeira vez que eu me nomeava em palavras à partir desse lugar. Realmente tive medo de me afogar e não encontrar o caminho de volta. A infância nunca me visita com risadinhas e saias de filó. Ela vem densa, cercada de medos, uma goiaba doce com bicho dentro.

Me dizer ali através daqueles poemas foi minha salvação. Foi também meu perdão e agradecimento ao pai, a mãe e a mim mesma. E reforcei a certeza do quanto as palavras alargam a gente.

No espetáculo Você havíamos decidido que eu dançaria as palavras e não as falaria em momento algum. Elas só apareciam como escritos borrados em grandes bandeiras de papel.

Em SerEstando decidi que elas teriam voz e escolhi a Pao para vesti-las. Pela leveza. Porque apesar da densidade de onde elas haviam brotado, elas vieram docinhas. 

Com direito a balões vermelhos no ar.

Se não nos cuidarmos as palavras também confinam. Deixam de alargar e nos aprisionam em um mundinho de repetição. Sempre as mesmas, circulando, dando voltas. E vamos nos apequenando sem percebermos. Até passarmos por debaixo da porta. 

Quando em viagem de pesquisa paro para escutar o outro, me expando. Quantas línguas! Quantas palavras para nomear o mundo que nos cerca! Quantos poetas semianalfabetos, inventando mundos, pulando cercas. Fabulando sua história, se nomeando, se fazendo gente “esse fui eu, eu que era errado e até hoje num sô certo”[16]. Trançando as palavras, trupicando e seguindo em frente. A mãe já dizia “tô com urça no estâmigo[17]. E a Dona Maroquinha em resposta a quem queria que ela se “juntasse” com o Joãozinho: “eu não, num tô espaiada!”.

Ao parar para ouvir quem nunca tem voz, o outro também se expande. Ganha ares de importância, se apruma. Se apossa da própria história. História miúda, de pequenos grandes feitos, de um cotidiano que necessita se reinventar pra ter sentido em continuar. Abrem as portas de si e me deixam entrar. Eu estrangeira. Visita passageira.

E não é isso que queremos todos? Sermos ouvidos?

Quando volto para casa, trazendo na mala esses fragmentos de vida, me dou conta da preciosidade do que me foi partilhado. E da responsabilidade imensa que terei ao recriá-los na cena. Cada um se expôs em seu espaço mais íntimo, como ser fiel a eles a não ser me expondo também, na mesma intensidade?

É o que tento fazer em SerEstando. Em agradecimento.

 

Corpo Nataly

“Meus queridos e minhas queridas, um outro conselho da minha mãe: não há dor nesse mundo que um batonzinho e um vestido bonito não resolvam!”

Nataly vem nascendo nos últimos 6 anos. Foi gestada em sala de ensaio, salão de cabeleleiro, salão de baile, cabaré, manicure, agência de viagem, padaria, bar, festa de comemoração do dia das mães. 

A semente inicial brotou de uma brincadeira, uma quase subversão a que nós, atores do Lume, brincantes sérios, nos propusemos. O jogo era o seguinte: cada um de nós deveria escrever pequenas frases contendo estímulos diversos, tais como: letras de música, características físicas (gordo, magro, alto, cabelo comprido, cor de cabelo, bigode, careca), deformidades físicas (manco, míope, paralisia no braço) ou de caráter (drogado, pedófilo, ninfomaníaco, alcoólatra), características de personalidade (romântico, tagarela, tímido, expansivo, paquerador), profissão (cobrador de ônibus, motorista particular, manicure, dançarino, cantor), nomes de animais, cores, entre outros. Todos os papéis contendo as frases foram colocados dentro de uma caixa e cada ator deveria escolher alheatoriamente dez desses estímulos. Nenhum estímulo poderia ser recusado. De posse desse material livremente deveríamos dar corpo a essas características. 

Nos refastelamos. Perucas, roupas variadas do nosso acervo de figurinos, peitos postiços, lenços, maquiagem, colocamos realmente tudo que tínhamos direito. Fomos ao extremo do excesso, do exagero de cores, trejeitos, vozes e o que surgiu foram criaturas quase bufonescas, com um toque de cotidiano. E à partir desse primeiro borrão fomos lapidando, provocando-nos uns aos outros. E, literalmente nos levando para passear. Assim visitamos agências de viagem, salões de baile, fizemos lançamentos de livros, gravamos documentários, criamos até um clipe musical.  

O Corpo Nataly foi e vem sendo desenhado em relação constante de jogo, em seu mais alto grau de ludicidade e provocação, com o contexto que a cerca. Rompeu a sala de trabalho, os limites do espetáculo e ganhou vida. Em minhas experimentações de campo, quanto “visto” a Nataly e vou a manicure, por exemplo, não me sinto levando uma “personagem” para passear. Ela possui um universo próprio de relação que a faz ser recebida - com carinho e não como aberração- nos mais variados contextos, como uma mulher excêntrica, como milhares de mulheres como ela, que vemos todos os dias pela rua. Claro que emanando uma aura de néon e purpurina a sua volta.

Para sua criação, além da observação e experimentação em campo, recorri a revistas, fotos, entrevistas de cantoras e personalidades, músicas (Fábio Júnior é seu ídolo e “Alma Gêmea” sua canção preferida) e principalmente aos jogos e provocações na relação com os demais atores do Lume. Danuza Leão, Jane Fonda e Elza Soares foram as musas, inspiradoras dos principais textos dito por ela no espetáculo Os Bem Intencionados e de trechos do SerEstando. 

Em SerEstando, Nataly rompe ludicamente a fronteira invisível entre a personagem e a atriz, entre a ficção e a realidade e convida o público para a relação direta. Provoca e cutuca a plateia, a si mesma e a sua “criadora”. Revela procedimentos de sua criação e dá dicas de beleza e aconselhamento de casais. Tudo isso enquanto se veste de rosa e dourado, colar, pulseiras e brinco. E fala, fala sem parar. 

O jogo que a Nataly propõe, se aproxima de elementos da linguagem do clown. Jogo direto e aberto, sem fronteiras, através de códigos pré estruturados que vão sendo lançados a medida que a relação ocorre. Circula sempre na berlinda, numa zona de risco, agindo e reagindo, de acordo com as respostas e provocações que o público lança. E aqui ele já percebeu que pode ser revirado, mas que também quer revirar. Essa fronteira arriscada, me provoca um estado de tensão e atenção extremamente potente. Não há por onde escapar. E quando a saída não é encontrada, o estar perdido também vira jogo e é evidenciado assim que acontece, dando origem um novo jogo. Nada é mascarado, não existe véu, só relação e provocação.

 

Corpo Velha

Para a construção da dança da velha, não utilizei a observação de ações do cotidiano como nas experiências anteriores com a Mímese Corpórea. A dança da Velha, que compõe o espetáculo solo Você, foi sendo construída, antes mesmo que soubéssemos que ela estaria na cena, como qualidade de vibração e espaços corpóreos. Seguramente toda a vivência anterior com a mímese de idosos era uma camada permanente, presente em todas as ações executadas. Elementos como ritmo, respiração, musculatura condensada, a vulnerabilidade do corpo idoso, entre outros, eu já havia experienciado seja em sala de trabalho, seja em sua transposição para a cena. 

A velha foi se vestindo de camadas, finas películas, árvore, vazio, vibração, atmosfera, memória, imagens. 

No início da construção da corporeidade da velha, minha única preocupação era na manutenção da forma física. Pernas separadas, peso na parte de fora dos pés, joelhos flexionados voltados para fora, púbis projetada para frente, peito pesando para baixo, braços levantados na altura dos ombros, cotovelo para fora, pulso quebrado para baixo, espaço entre os dedos, tensão nas mãos, pescoço e cabeça projetados para frente, lábios escondendo os dentes, sobrancelha levantada, olhos espremidos. O desenho corpóreo foi se tornando cada vez mais nítido e todo meu esforço era no comprometimento muscular que essa postura me exigia. Como deslocar o peso, realizar pequenas ações, olhar, respirar. Ficávamos improvisando longamente dentro dessa qualidade, o que me exigia muita concentração. Eu não pensava em fazer um corpo velho, ou reproduzir uma velha observada. Eu nada pensava.  As dificuldades eram reais, físicas, efetivas, sensoriais e não precisavam ser imaginadas. Essa concentração absoluta, num esforço real, mostrou ser a chave, o ponto central de entrada para essa dança. A partir daí, pude ir vestindo outras camadas e construindo a atmosfera à volta.

Toda a ação se passa num tempo dilatado, com pouquíssimos elementos externos como suporte para a instalação da atmosfera. Meu maior desafio é instalar o espaço tempo poético da cena, tendo como único apoio o corpo e o espaço projetado por ele. A dança da velha encontra seu espaço poético no nível da micropercepção. Dançar a contradição entre um corpo ressecado, velho em seu exterior, mas que mantém sua juventude pulsando internamente através das memórias que cultiva. O corpo velho que tem a memória do corpo novo.

Me comove, me move, lendo as palavras do Tadashi, pensar que em minha busca por esse Corpo Criança precisei antes habitar a velha que um dia serei. Uma viagem ao futuro para encontrar o passado. No Corpo da Velha, eu mesma, dançando a paisagem de todos os corpos que um dia habitei e que me habitaram. E os que ainda virão e que hoje se manifestam como virtualidade, como potência.

Kuniichi Uno nos fala sobre o Devir Criança na dança de Hijikata, criador do butô, que embasou sua dança em vivências concretas de sua infância, não como mera lembrança de fatos ou cópia de gestos das pessoas que o circulavam - mesmo que apareça acentuada em sua dança formas do corpo ancestral japonês, costas curvadas, membros arqueados e posturas torcidas – mas na busca de uma “infância que não para de se reinventar, reviver, perpetuamente em devir” (Uno 44). Uma infância feita de sensações, fluxos e vibrações, que não parte do concreto, da forma, mas de atravessamentos vividos que começam a redançar no corpo. “A criança voa no céu, rasteja no ar, corre entre os vivos e mortos” (Uno 44).  Ela está no centro de tudo o que se passa no corpo.

Se pensamos em uma dança em devir: “devir não é imitar, nem simular, é se lançar entre você e o que você será. É um devir-desconhecido, imperceptível” (Uno 44).  poderia dizer que esse é um dos centros que movem a pesquisa da mímese corpórea, um devir outro continuando a ser o que se é, um corpo aberto, sem forma definida, meio homem, meio animal, meio planta. Não a busca por uma identidade fixa ou catalogação de trejeitos ou matriz original, mas experimentação de diversos fluxos, de uma dança que vai se construindo de vivências. 

 

Voos

Antes do voo final, vamos afinar algumas coordenadas (regurgitadas por mim após contaminações com voos anteriores de Peter Pál Pelbart, Kuniichi Uno, Renato Ferracini e José Gil). Essas coordenadas tocam o pensamento de Espinosa, pois – permitindo-me uma simplificação de seu pensamento – a definição de corpo para esse pensador é a de um conjunto de partes que na sua relação definem aquele corpo. Um corpo é definido, em última instância, pela relação de suas partes em composição e não pela identidade ou função de seu conjunto. Um corpo sempre propõe um processo de composição em ato desse mesmo corpo numa criação dele mesmo, processo auto-composicional inventivo que Maturana e Varela definem como autopoiésis. Mas o mais importante em Espinosa é que nesse processo de composição-corpo existiria – ou deveria existir - uma ética de intensificação qualitativa e aumentativa de potência na qual as partes envolvidas na composição ampliam sua capacidade de ação no mundo. O pensador da imanência nos propõe um ethos, uma postura, enfim, uma ética na qual, nos encontros e nas relações, no plano concreto da experiência, buscássemos uma ampliação de potência de todas as partes envolvidas. Nunca a potencialização do MEU corpo, pois essa postura promove a identidade e o individualismo hedonista tão em voga em nossa contemporaneidade, mas a intensificação de meu corpo em relação ao outro corpo que constrói, nesse processo, um corpo “Eu-Seu-Nós” que deve ser pensado enquanto ampliação de potência: a intensificação de um certo afetar e ser afetado.

A esse processo de composição em ato de um corpo que amplia a capacidade de ação no mundo das partes envolvidas, Espinosa vai dar o nome de Alegria. Ao contrário, quando no encontro as partes diminuem a sua capacidade de ação no mundo, ele dará o nome de tristeza. Temos aqui uma questão ético-política muito instigante. Todos os encontros, todas as partes, todo fluxo de experiência numa coletividade deveria buscar a ética da alegria, ou seja, promover uma composição em ato de um corpo – social, político, estético, pedagógico, amoroso etc - no qual todas as partes envolvidas ampliem sua capacidade de ação no mundo. Gumbrecht nos lembra que o conceito de presença se define pela relação de materialidades que geram, nessa composição, efeitos de presença. Ele pressupõe pensar experiências de presença ou ainda efeitos de presença no qual qualquer tipo de relação afetiva com seus elementos materiais “tocará” os corpos que estão em relação de modos específicos e variados, ou seja, essa inter-relação material entre-corpos está sempre sujeita a efeitos de maior ou menor intensidade (Gumbrecht 39). Podemos aqui realizar uma ponte entre Gumbrecht e Espinosa: efeitos de presença alegres que ampliam a capacidade de ação no mundo, ou efeitos de presença tristes que diminuem essa capacidade.[18] Mas não sabemos nunca a prioriquais são os encontros alegres e tristes, quais são os encontros que nos potencializam ou despontecializam. Única saída: entrar de forma eticamente alegre ao fluxo de experiência da vida e sacar daí, prudentemente, a alegria dos afetos. Assim, como não existe uma fórmula fixa, uma receita do caminho certo e seguro, temos que ir provando, testando, inventando composições, maneiras de vida, sempre atentos em descobrir o que nos potencializa. É, vida dura! E altamente estimulante!

Coordenadas dadas, façamos um recorte para estabelecer nossa rota: a mímese corpórea enquanto espaço de experiências/potências e seu encontro com o butô, tendo como tensionamento SerEstando Mulheres. Aviso: será um voo livre, sem chegada definida, de minha inteira e única responsabilidade.

A mímese corpórea, tal qual a entendemos no Lume, tem como um dos seus pressupostos primeiros lançar o ator em uma zona de experiência intensiva no contato direto com o outro, seja esse outro uma pessoa, um objeto, um animal, uma imagem, um prédio, uma palavra. E ambicionando que esse encontro potencialize a transformação e recriação do corpo singular daquele que atua-observa.

Um dos mecanismos práticos adotados, que potencializa o encontro, é colocar o ator em situação de viagem. Aqui viagem no sentido literal, fazer sua malinha e ir pro mundo, de preferência levando um repelente. Deixar o seu lugar de conforto, sua cama quente, sua comida preferida, seus entes queridos, suas acomodações e ir ao encontro do desconhecido, do não explorado, de novos mundos. Normalmente partimos em viagem com um roteiro apenas esboçado, deixando que o caminhar redefina o próprio caminhar a partir das afetações do campo: encontros alegres, partida prorrogada, encontros tristes, “quando sai o próximo ônibus? (ou barco, avião, carona, balsa, metrô). Nos lançamos, de peito aberto, a uma zona de experimentações, bem turbulenta na maioria das vezes. Atentando que, nesse caso, encontros alegres que potencializam, nem sempre são aqueles que nos acariciam, muitas vezes são aqueles que doem ou causam repulsa, mas chacoalham e desacomodam, provocando a potência da ação numa direção não esperada.

E é desse território de experiências que partimos em busca. Não em busca de um comum, de uma identidade nacional, de uma catalogação de gestos e trejeitos, seja dos idosos, dos povos ribeirinhos ou dos moradores de rua. Vamos em busca de singularidades, de multiplicidades, da diferença. E de sermos afetados, afetando por consequência. Estamos em busca do encontro.

Se entendemos o corpo como “âncora de experiência”, como memória, “o corpo singular como potência-outro-corpo intensificado nele mesmo” (Ferracini in Ensaios de atuação 29) e partindo dessa desterritorialização que a pesquisa de campo provoca, ao voltar para sala de trabalho impregnado de toda vivência desses encontros múltiplos (de novo reforçando: sejam esses encontros com pessoas, cheiros, paisagens, sabores, ausências, sensações), esse mesmo corpo se reterritorializa, dando passagem a matrizes ou formas de força (formalizações singulares de cada ator), “virtualidades e intensidades atualizadas em continuum no tempo-espaço cênico” (Ibidem) mais potentes, ou ao menos, múltiplas, com novas aberturas e possibilidades de combinações. 

O ator faz um recorte no fluxo do acontecimento e na velocidade da experiência vivida e busca agenciamentos singulares para dizer-se a partir desse novo lugar. Se revira em busca de elementos que materializem as afetações ocorridas nesse território da experiência, ações, palavras, estados, olhares, a dança pura que transborda desse corpo em vida no qual as afetações, linhas de força, continuam a circular, se atualizando continuamente.

Aí surge a pergunta: o que difere a formalização do Corpo Maroquinha, do Corpo Rua, do Corpo Velha? E para nos aproximarmos dessa pergunta, não para encontrarmos uma resposta fechada, devemos pensar cada uma delas enquanto um território particular, um espaço de forças múltiplo. E para melhor delimitar esse território temos que mapear os atravessamentos que compõem esses Corpos, quais são os seus contornos - ao menos os que forem possíveis e visíveis aos nossos olhos ou consciência (sabendo que mesmo assim ficarão de fora todas as forças que a nossa consciência não conseguir nomear ou nossos olhos do visível não puderem ver). 

Para que essa visualização fosse possível surgiram os “mapas de afetações” que antecedem a introdução de cada Corpo nessa escrita. Nesses mapas tentei cartografar sobre qual fundo essa forma de força se originou. Qual paisagem deu origem a ela. Procedimentos de criação, diferenças na condução, momentos de vida, interlocutores, processos distintos que a originaram e que interferem em sua poetização. Não são distintas pelo fato de terem surgido da mímese ou de contaminações com o butô, não é uma diferença de natureza, mas de gradação. De níveis de tensão e propagação.

Dona Maria e Dona Maroquinha são frutos do encontro das primeiras viagens que fiz. Revivem no instante da cena, através de um pequeno fragmento congelado de suas vidas, recriado através do meu olhar. O Corpo híbrido da Rua, é composto por personagens do mundo, provocam, escorregam, Luciana, Madame Pacaembú, Laranjeiras, babuíno, dançarina bêbada, entre tantos sem nome. Não dividem passado nem futuro. Para encontrá-las, todas as quatro, precisei sair de mim e habitá-las ou escavar mais e mais, descendo até as profundezas, como na imagem de Hijikata. Rompi as fronteiras de meu espaço confortável e busquei a incorporação do outro-pessoa, como expansão do meu próprio universo. Partindo da concretude da fisicidade cheguei à corporeidade observada, através da criação de um espaço de confluência entre o meu corpo e o corpo do outro, as ações que acabaram por surgir foram recriadas dentro dessa zona de contágio. Não busquei travestir-me de outro que não eu mesma afetada pelo contato físico-afetivo-emocional com essas mulheres. Em minha busca do devir-outro continuo sendo o que sou. 

Pao não tem história, se cria a partir da criança que sou. É ação e reação, através de uma dinâmica física incorporada. Junto com a Velha vive fora do tempo, dança entre memórias. Surgiram do mais íntimo de mim. Lembra que fui de escafandro e lanterna na mão para encontrá-las? 

A memória é o elemento comum entre todas elas. Seja a memória do encontro, da imagem do outro fora de mim, do espaço à volta, seja a atualização de fragmentos de memória, vivido ou imaginado. Memória enquanto duração, de um presente que se acumula num passado, e que se torna novamente presente carregado de todo o passado anterior, numa atualização do vivido no presente. A memória como detonador de poéticas.

Concluo, portanto, que o Corpo SerEstando, é um devir contínuo de novas forças e agenciamentos entre as linhas e formas de força que o constituem. Compor com o outro, na relação entre as partes e que se atualizam a cada encontro, a cada nova composição. Se não no macro, na materialidade formalizada, mas sim, no micro, nas pequenas percepções, que permitem a circulação de intensidades, uma máquina autopoiética que se retroalimenta, se auto gera na relação.

Talvez SerEstando, em sua composição, seja uma linha de fuga em uma trajetória pessoal de pesquisa, que após tantos anos tende a acomodação, a um conforto excessivo, caso não seja revirada e arejada. Gosto de pensar que, ao invés de mais do mesmo, um revisitar-se, seja uma ruptura, um recriar-se partindo de outros lugares. Uma busca incessante, uma ação que me potencializa e me dá prazer. Um encontro alegre no mais puro sentido Espinozano. 

 

Referências

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NOTAS:


[1] SerEstando Mulheres é uma criação cênica de Ana Cristina Colla. Nesse processo de criação a atriz revisita sua trajetória de 20 anos como pesquisadora do Lume Teatro, focando nas figuras femininas gestadas nesse período. “SerEstando Mulheres, enquanto escritura cênica, é uma história que fiquei com vontade de dançar, minha, de outras mulheres, de um grupo, de uma vida. É umacolcha de retalhos, pedaços conhecidos e sempre ressignificados, espalhados por diversos espetáculos, oito ao todo. A matéria que o compõe surge de momentos distintos do meu caminhar de atriz e mulher no Lume Teatro. Passeia por diferentes metodologias e linhas de pesquisas, momentos de vida, cada fragmento refletindo o momento em que foi gestado: mímese corpórea, dança pessoal, butô, clown, mãe, filha, atriz.”

[2] Bartolomeu Campos de Queirós, em entrevista ao programa Imagem da palavra - parte 2  http://youtu.be/fbRrCTudoA0

[3] Alan Pauls in Pósfácio de Mrs. Dalloway: Virginia Wolf.

[4] Clarice Lispector. Perto do Coração Selvagem.

[5] Personagem do espetáculo O que seria de nós sem as coisas que não existem, interpretado pela atriz Raquel Scotti Hirson

[6] O Projeto Vértice Brasil é uma iniciativa que visa ampliar e sedimentar uma versão brasileira para o Projeto Magdalena (The Magdalena Project) – uma rede internacional de mulheres de teatro contemporâneo, criada em 1986 pela atriz e diretora Jill Greenhalgh, no País de Gales. O Projeto Magdalena tem o compromisso de fomentar a consciência da contribuição da mulher ao teatro e apoiar a experimentação e a pesquisa, oferecendo oportunidades concretas para o maior número possível de mulheres. Ele conta com uma estrutura singular que lhe permite funcionar internacionalmente e de ser adotado e ampliado por mulheres em todo o planeta.

[7] Fernando Villar, querido amigo, autor, encenador, diretor e professor universitário (UnB). Parceiro criador na construção de SerEstando Mulheres.

[8] Raquel Scotti Hirson, Carlos Simioni e Renato Ferracini, atores e parceiros de vida e criação junto ao LUME Teatro.

[9] Chego a ela através de conversas com o Prof. Dr. Narciso Telles, da Universidade Federal de Uberlândia.

[10] Revista Rascunhos, v. 1, n. 1, jan.|jun. 2014, p. 77. A Revista Rascunhos dedicou uma edição inteira ao tema da desmontagem, podendo ser encontradas diferentes narrativas e reflexões sobre o tema.

[11] As reflexões referentes a autobiografia vieram de apontamentos partindo da fala da Profa. Dra. Gabriela Lírio, da UFRJ, em mesa temática do GT Territórios e Fronteiras, ABRACE, 2014.

[12] Conheci Dona Maria em minha primeira viagem de pesquisa de campo, em 1993, partindo da metodologia da Mímese Corpórea – desenvolvida no Lume Teatro. A mímese como denominamos busca a poetização e teatralização dos encontros afetivos entre um atuador-observador e corpos/matérias/imagens. O pressuposto é que esse encontro potencialize a transformação e recriação do corpo singular daquele que atuaobserva.

[13] Compõe o espetáculo “Café com Queijo”, criado coletivamente com mais três atores do Lume, Renato Ferracini, Jesser de Souza e Raquel Scotti Hirson, em 1999. Uma “colcha de retalhos” de relatos coletados em viagens realizadas para o Amazonas em 1997.

[14] Luís Otávio Burnier, quando da montagem do espetáculo Taucoauaa Panhé Mondo Pé.

[15] As respostas a seguir foram coletadas em pesquisa de campo, juntamente com as atrizes Raquel Scotti Hirson e Naomi Silman. São vozes de mulheres que vivem em situação de rua.

[16] Sr. Cassimiro, coleta em pesquisa de campo pelo estado de Tocantins.

[17] Ana Gonçalves Colla, minha mãe, semianalfabeta, não deixou nenhuma página escrita.

[18] É óbvio que essa relação, longe de ser dualista, é múltipla e complexa. Numa mesma composição há partes que podem se potencializar enquanto outras partes se despotencializam. Essa simplificação aqui é apenas de ordem didática.

 

La escena expandida ~ ISBN: 978-1-7320472-2-8 

Ediciones KARPACal State-Los Ángeles y REVISTA RASCUNHOS/GEAC, Universidad Federal de Uberlandia.

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